The burden of proof

agosto 10, 2015 Helô Righetto 11 Comentários

'The burden of proof lies with the prosecution. The defendant doesn't have to prove his innocence'

Minha breve - porém intensa - incursão no mundo da corte criminal britânica chegou ao fim hoje. Como eu prestei mais de 10 dias úteis (11 no total), o que é mais do que a média, só podem me chamar de novo daqui a 10 anos. Pode parecer exagero, mas o desgaste emocional desses últimos dias foi algo que nunca experimentei antes.

Me senti muito ansiosa, muito feliz, impaciente, indecisa, estressada, triste, decidida, confusa e aliviada - nada que eu não tenha sentido antes, mas em doses cavalares e dentro desse curto espaço de tempo. Acho que a sensação final é de dever cumprido - paguei boa parte da minha cota para o andamento do mundo civilizado e me sinto recompensada.

Porém, estou contente de ter atravessado de volta o portal que me transportou pra esse mundo paralelo de 'caros colegas', evidências, termos complicados, depoimentos traumatizantes, esperas extenuantes e salas da onde você não pode sair até tomar uma decisão.

Ah, e tudo isso sem contar outra coisa crucial: a convivência obrigatória com pessoas que você nunca viu na vida, e com as quais você precisa decidir o futuro de outra pessoa. Uma ótima oportunidade para conhecer gente que pensa igual a você e divide os mesmos princípios morais, mas também de topar com idiotas que estão mais interessados em ir pra casa do que levar a sério um caso criminal, ou então que tomam uma decisão assim que colocam os olhos no réu (tambem conhecidos como racistas).

Meu pai ficará contente em saber que aprendi muito com os dois juízes que trabalharam nos dois julgamentos que participei. A gente sempre ouviu falar que todo mundo é inocente até que se prove o contrário, certo? Imagino que todo mundo conheça essa expressão. Mas eu só me dei conta da sua importância quando sentei no banco do juri pela primeira vez, e me foi explicado que o réu que ali estava não precisaria provar sua inocência - quem tem que provar algo é a acusação.

E, por mais óbvio que isso soe, toda história tem dois lados. Por isso, agora eu entendo perfeitamente que não podemos tirar conclusão alguma quando vemos algum caso no noticiário, por mais evidente que o caso pareça. TODA HISTÓRIA TEM DOIS LADOS. Se há dúvida, não há culpa. E amigos, acreditem em mim: há muita mentira, portanto há muita dúvida.

Eu nunquinha que vou esquecer os nomes e rostos das pessoas envolvidas nos casos que eu julguei. Não apenas os réus, mas tambem os familiares e amigos que assistiam da galeria, ou as testemunhas que são obrigadas a contar os detalhes mais podres de suas vidas, aqueles que a gente jamais imagina revelar em público. Nunca vai sair da minha mente o choro de alívio do primeiro réu e o abraço que ele recebeu da sua família quando declaramos 'not guilty' - quanto ao segundo réu, o caso ainda está em curso (não chegamos a um veredito unânime e nem uma maioria, portanto fomos dispensados), por isso não posso falar nada aqui.

Mas posso falar que nos últimos dias eu li transcrições de longos depoimentos a polícia, ouvi diversas vezes a gravação de uma ligação para o serviço de emergência e examinei um martelo embrulhado em um saco plástico.

Como eu falei lá em cima, estou feliz de ter voltado desse mundo paralelo. De repente a rotina do escritório, das corridas, dos afazeres domésticos e da vida social ficou muito mais atraente do que o vaivém nas salas ou muito quentes ou muito geladas da corte criminal de Londres.

11 comentários:

  1. O jury duty aqui e obrigatorio e voce e selecionado aleatoriamente pelo sistema do Department of Motor Vehicles. E preciso ser cidadao, fluente na lingua, e nao ter nenhum tipo de ligacao com o caso. Voce pode postpone the date por ate 10 meses. E se o caso passar de 5 dias uteis, a partir do sexto dia, o estado paga $50 por dia.

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    1. sim, aqui tbem eh obrigatorio, da mesma forma, vc eh selecionado aleatoriamente. e claro q tbem nao pode ter nenhuma ligacao com o caso!

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  2. Uma experiência marcante né. Que bom que vc deu uma contribuição tão importante pra se fazer justiça.
    Sobre a presunção de inocência sempre me vem a cabeça o caso da Escola de Base em S.Paulo. Uma denuncia, sem fundamento, de que os donos da escola estariam abusando de crianças foi devastadora na vida dessas pessoas. Um delegado que queria aparecer na TV desconsiderou essa Máxima . Quando o erro foi detectado , já era tarde . O estrago estava feito.

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  3. Nossa, Helô! Fiquei tensa só de ouvir o relato! Tenho certeza que daí vai sair aquele best-seller que vc comentou em alguma rede social dias atrás. Escreve ele logo, tá?
    Bêj!

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  4. Igual nos filmes/series! Imagino a tensão nesses 11 dias. (escreve o best-seller)

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  5. Eu costumo curtir todos os seus posts aqui, mas acho que agora tenho um favorito!
    Achei bacana demais seu depoimento.
    Meu pai vive essa tensão todos os dias sendo juiz (e uma pessoa extremamente justa por natureza), e como filha, sei como ele sofre. Mas se ele sofre tendo que tomar essas decisões profissionalmente, imagino como deve ser ainda mais difícil quando você não está acostumada a ter que ajudar a decidir o futuro de alguém, e ainda tendo que estar de acordo com outras pessoas que você nunca viu, que o réu nunca viu.
    Apesar de tudo isso, e da carga emocional pesada, tenho certeza que você aprendeu muito nesses dias, não?
    Além de sair de lá com umma lembrança que com certeza ficará para sempre, claro. :) Agora esses réus também fazem parte da sua história.

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  6. Tenho certeza que você irá assiatir filmes ou ler livros sobre tribunais sobre uma nova perspectiva agora!
    Bjs
    Anna

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  7. Uau! Que interessante! Fui ja ver uma sessao de um julgamento no Royal Courts of Justice um dia e fiquei pensando nisso, que deve ser muito dificil estar ali julgando algo assim! Gostaria de participar dessa experiencia e ao mesmo tempo acho que ficaria igual a voce!

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  8. Helô, so agora é que li este post. Descreveste muito bem a experiência. O quanto avassaladora é a nível emocional

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  9. Depois tens que me contar mais da próxima vez que nos encontrarmos. (Não se aconteceu contigo, mas no meu caso, depois de dias sem poder falar do caso com ninguem, eu não conseguia parar de contar a TODA a gente sobre a experiência. Uma espécie de diarreia verbal :))
    Bjs

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  10. Helo,

    Eu estava aflita por vc assistindo aos snaps!
    Vc nao poderia ter descrito o momento de uma maneira melhor, é sim um "mundo paralelo".
    Fui convocada para um julgamento em Minas há anos atrás, foi uma das experiëncias mais intensas e bizarras da minha vida! Só de pensar já me dá calafrios.... a responsabilidade de quem julga é enorme e normalmente a gente nao se dá conta disso. Fora o fator emocional que eu nao consigo administrar bem, a questao do "nao se envolver" pra mim nao rolou. Foram longas noites sem dormir, panico dirigindo o carro na volta pra casa e etc, foi muito tenso (e intenso).
    Eu nao consigo me lembrar dos detalhes mas acho que no Brasil nao rola esse lance de só poderem ter reconvocar em xx anos. Lembro que a pedagoga que trabalhava comigo foi convocada várias vezes em seguida, imagine a tensao! Ao mesmo tempo ví pessoas que super curtiam as convocaçoes só pra poder "matar" dia no trabalho (nunca vou entender).
    Enfim, ainda bem que passou! E certamente é um grande aprendizado. Respire fundo e aliviada!
    Bjos!

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