Aqui, aí, em todo lugar

maio 06, 2016 Helô Righetto 2 Comentários


Essa semana eu falei no Snapchat que odeio correr sozinha. Bom, pra quem não sabe, eu e o Martin corremos juntos, mas tem dias que um de nós tem compromisso, aí embola o meio de campo e cada um precisa 'repor' a corrida perdida sozinho. Enfim, não é frequente, mas acontece.

Eu tive que correr sozinha um dia desses. Quando isso acontece, eu mudo de percurso: em vez de ficar a maior parte do tempo correndo na rua, eu fico dentro do parque. Eu faço isso pra evitar assédio. Se você é homem, vai achar essa afirmação estranha, mas se você é mulher certamente está pensando em quantas vezes você já fez isso também, mudar o caminho porque está sozinha.

Mas no curto caminho entre a minha casa e o parque, sempre tem um babaca. Dessa vez especificamente um babaca que passou de carro e gritou qualquer coisa pra mim. Gritou e continuou dirigindo sei lá pra onde, mas com certeza alguns segundos depois ele esqueceu o que fez. Talvez tenha feito de novo, talvez faça isso o tempo todo. Não importa. Seguiu em frente.

Eu segui correndo também, mas é claro que não esqueci. Botei ali no meu compartimento de assédios na rua. E chegando em casa eu fiz esse desabafo no Snapchat. Pô, tô ali fazendo meu treino, concentrada, e tem babaca que acha que eu sou entretenimento. Que saco.

Um monte de gente me respondeu se solidarizando. Mas a maioria das pessoas expressou supresa em saber que aqui em Londres isso acontece também. Pessoas que vivem no mundo todo (essa é a vantagem do Snapchat), falando que não sabiam que havia sexismo no Reino Unido.

Eu entendo que a gente tenha essa impressão que em um país europeu a gente esteja muito além de algo tão grotesco quanto sexismo. Que talvez você more em uma cidade onde não precise lidar com esse tipo de problema, e isso é maravilhoso. Muito bom mesmo. Pode sair pra correr e não se preocupar com alguém que passe de carro e buzine. Ou voltar da balada tarde da noite, sozinha, sem segurar a chave na mão.

Mas o que não podemos é fazer com que esse privilégio crie uma espécie de esquecimento. Afinal, se o machismo não te afeta, o que você tem a ver com esse problema? Eu acho que aí que mora o perigo. Quanto mais afastados estamos, menos nos importamos. Eu sei que é difícil se solidarizar com algo que acontece tão longe da sua casa, do seu entorno.

Mas, se você ficou indignado com o que aconteceu comigo nas ruas de Londres, use isso pra pesquisar o problema, investigar a fundo. Não deixe o sentimento morrer. Informe-se, converse, compartilhe informação. Use as redes sociais como aliadas nessa luta. Não se solidarize apenas comigo - eu também sou muito privilegiada, e o sexismo que eu encaro no dia a dia é apenas a ponta do iceberg - mas olhe mais longe: olhe para as mulheres que não podem fazer escolhas, que não podem dirigir, que não podem andar de bicicleta (sabia dessa?), que são violentadas e não tem para quem recorrer, que ganham menos porque são mulheres, que são assassinadas porque são mulheres.

Aí na sua cidade pode estar tudo bem. Mas e no resto do mundo?

2 comentários:

  1. Em Coimbra, eu me dei conta de que isso acontece pouco porque as poucas vezes que rolam me assustam muito. Logo eu que vivi em BH e SP e aprendi a escolher o que vestir e sempre andar com a chave entre os dedos. Sempre, era meu ritual paranóico.

    Eu lembro uma briga que tive uma vez com um colega de trabalho. Ele falou: "nossa, mas o quê tem de mal eu dar aquela buzinada de brincadeirinha. É divertido". Deve ser divertido mesmo para quem não tem, e nem faz ideia do que seja um compartimento de assédios na rua - como você definiu tão bem.

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  2. Existe em todo lugar! Uns mais, outros menos. Perdi a conta de quantas vezes eu saí para correr de fone para não ter q ouvir babaquices e atrapalhar meu treino.

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