Japs
Textinho chupinhado q eu e o Martin assinamos embaixo
Olhe bem o que você está fazendo.
Quinze anos atrás você se arrepiava só em pensar que alguém pudesse comer comida japonesa. Se falassem 'peixe cru' perto de você, era como se riscassem um giz com força no quadro-negro. Era ou não era?
De tanto insistirem, um dia você aceitou o convite (do seu primo publicitário? Da sua namorada que mexia com cerâmica? Daquele seu namorado nissei?) e finalmente foi a um restaurante japonês. Ora, ora: para quem já tinha andado de montanha-russa, não era um simples japa que ia assustar.
Daquela vez você só pediu 'pratos quentes', lembra? Surpresa. 'É mais gostoso que chinês', você disse. 'E bem mais saudável', emendou o seu primo publicitário, a sua namorada que mexia com cerâmica ou o seu cacho nissei.
O fato é que você gostou - pelo menos do ambiente. Ou será que foi do saquê? No mês seguinte você voltou. Na terceira vez você acreditou quando disseram: pode comer esse sushi, que o camarão é cozido. E era mesmo! Dali a gostar de kani foi um pulo. Rosadinho, bonitinho, e com um gostinho de caranguejo...
Então aconteceu algo incrível. Quando foi mesmo? Lá pelo Plano Real, talvez: de repente, o Brasil foi invadido pelo salmão. Cardumes e mais cardumes. Vindos do Chile. Nadando contra a correnteza de um país onde só os muito ricos conheciam esse peixe cor de laranja (normalmente sob o codinome 'salmon').
'Experimenta. Você vai ver que ele derrete na boca', fizeram propaganda na sua mesa. Você pegou seus palitinhos - a essas alturas você já estava craque - e pinçou uma fatiazinha de salmão. Foi paixão ao primeiro sashimi.
Depois disso, nunca mais houve salmão que chegasse para o seu apetite. Você passou a traçar todo sashimi de salmão, sushi de salmão e temaki de salmão que os sushimen fossem capazes de produzir.
Os restaurantes japoneses captaram a mensagem, e passaram a colorir os pratos de peixe laranja. O atum, o linguado e outros menos votados apareciam só para constar. Assim o mercado foi crescendo. Os japas deixaram de ser um fenômeno paulista e ganharam o Brasil.
Finalmente, há cinco anos, aconteceu uma segunda revolução. A velha piada do sushi ('esqueceram de cozinhar') virou realidade. Inventaram o sushi quente. O sushi frito. O sushi empanado. E então você se lembrou que peixe cru não era mesmo muito a sua praia, e caiu de boca na novidade. A ponto de os tradicionalistas serem obrigados a deixar bem claro na hora de pedir um combinado: 'Desta vez só peixe cru, viu?'.
Pois bem. Nos últimos 15 anos, os restaurantes japoneses fizeram tudo para agradar você. Entenderam o seu gosto. Abriram filiais perto da sua casa. Passaram a entregar em casa e até no escritório.
E daí você lê no jornal que 20 pessoas ficaram com dor de barriga por causa de um salmãozinho bichado e... você abandona o seu japonês totalmente! Você nem passa na calçada do restaurante japonês! Você não considera a hipótese de ir ao japonês nem para comer sushi frito!
Vem cá, não é um pouco radical demais da sua parte, não? Porque daqui a três meses, quando ninguém mais se lembrar que um dia deu problema no salmão, você vai voltar ao japonês do seu bairro e vai dar com o nariz na porta. No lugar vai ter uma placa: 'Breve aqui pizza delivery'.
Eu estou fazendo a minha parte. Janto no japonês dia sim, dia não. Tenho encontrado os mesmos abnegados que não querem ver o japonês do bairro fechar. De vez em quando peço pelo telefone, para dar algum trabalho ao entregador. E, mesmo contra as minhas convicções, não deixo de pedir bastante salmão
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